Arquivo de Mafaldisses

Obrigada Mafalda

Posted in Dedicatórias with tags , , on Outubro 23, 2008 by soniapessoa

O post que agora escrevo é talvez o que mais me vai custar escrever, dos que escrevi até hoje… porque fala de coisas que me tocam, que me são sensíveis de forma particular. O post que escrevo tem por objectivo principal enaltecer o livro que ontem li… Mafaldisses, da Mafalda Ribeiro.

“Morre lentamente… quem não encontra graça em si mesmo… quem destrói o seu amor próprio, quem não se deixa ajudar… Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante…”

“Obrigada por me dares a sensibilidade de sentir o frio e o calor, de tocar e ser tocada… Obrigada por todas as vezes que olhei para o espelho e não gostei do que vi… Obrigada por levantares a minha cabeça para o céu para me fazeres reparar na beleza de uma lua cheia. E pelas frustrações e impotência que se transformaram em vontade de ir mais além.”.

“Amigo não é só aquele que empurra a cadeira ou baixa-se ao nível dela para conversar olhos nos olhos. No meu caso, amigo é também quem me tira de cima dela e faz dos pés dele os meus. Porque a deficiência não é nenhuma doença contagiosa, mas o amor é…”.

“Não fomos talhados só para observar mas para olhar alguém com profundidade. É ver muito para além do que pode ser visto, se calhar é darmos o salto para dentro de alguém e deixarmo-nos estar… É não cedermos à ilusão de um primeiro olhar, é deixarmo-nos ficar…”.

Estes excertos, retirados do livro Mafaldisses, são só um exemplo pequenino da imensidão de saber que nos é transmitida nas 52 crónicas que compõem este livro, este ensaio de vida, de saber viver. Obrigada Mafalda, por me teres permitido crescer um bocadinho mais e, na verdade, aceitar-me também a mim, como sou, um bocadinho mais… Quando hoje terminei de ler o teu livro, vieram-me as lágrimas aos olhos, porque me revi em tantas palavras que escreveste, muito embora tu sejas bem mais forte que eu e te ames a ti mesma muito mais do que eu me amo a mim… há 39 anos atrás nasci com uma pequena imperfeição no lábio superior (o lábio leporino é uma abertura na região do lábio, ocasionada pelo não fechamento dessas estruturas, que ocorre entre a quarta e a décima semana de gestação), os meus pais choraram e até aos três meses de idade não me são conhecidas fotografias… nessa altura fui operada pelo Dr. Gentil Martins e o resultado não foi o pior, tendo em conta que foi uma cirurgia que ocorreu à 39 anos atrás, onde as técnicas usadas não são as mesmas de hoje. Cresci habituada a que os meninos na escola me apontassem o dedo, a que fizessem perguntas, a não ser escolhida pela professora para fazer de Nossa Senhora nas festas de Natal, e habituei-me a um mundo onde não estar dentro dos parâmetros delineados para a chamada beleza nos impede muitas vezes de voar, principalmente quando nós próprios interiorizamos a nossa diferença de forma negativa (aqui comoveu-me, Mafalda, a grandeza da tua mãe quando te disse “Então as sandálias, fazem bom andar?”). Muito embora tenha sido, alguns anos mais tarde, submetida a uma cirurgia de correcção, os preconceitos da diferença (a minha é na verdade uma diferença mínima, quase imperceptível, comparada com tantas outras) ficam dentro de nós e só uma pessoa grande como tu os consegue ultrapassar… depois de te ler, acho que me encontro num bom caminho…

A vós amigos blogueiros, aconselho a leitura deste livro… faz-nos crescer, torna-nos maiores se sentirmos que aprendemos alguma coisa com ele… mostra-nos as diferenças como eu tento mostrá-las nos livros que escrevo para as vossas crianças… como mais valias no mundo da diversidade.