Arquivo de Jornal Público

Vou, mas volto… entretanto…

Posted in Uncategorized with tags , , , , , on Setembro 4, 2008 by soniapessoa

Hoje vou de férias, são apenas cinco dias, mas fora daqui, o que é muito bom. Tinha já programado vir escrever um post a contar o quanto estou aterrorizada por ter de ir de avião para Londres, a nado não me pareceu uma alternativa muito boa, para dizer que vos levo no pensamento, para perguntar o que querem que vos traga de recordação, se algum de vós faz questão que transmita algum recado a Sua Alteza Real, a Rainha de Inglaterra, saber também se algum de vós partilha do mesmo fetiche que eu e que se resume a fazer cócegas nos guarda reais da dita rainha… mas tudo caiu por terra quando fui tomar café depois de jantar, peguei no jornal Público, e li uma reportagem sobre um dos jovens que foi julgado pelo brutal assassinio da transexual brasileira, Gisberta, de 45 anos, e que a 22 de Fevereiro 2006 foi atirada ainda com vida a um poço de 15 metros situado num prédio inacabado da Avenida Fernão de Magalhães, no Porto. Tinha sida em fase terminal e tuberculose, mas morreu afogada.

Deixem-me lembrar-vos que trabalhei durante 12 anos no coração da redacção do Jornal Público, no Porto, vivi de perto muitos dramas que fizeram ao longo desses anos as páginas dos jornais… vivi o drama do massacre de Dili, a queda da ponte de Entre-os-Rios, acontecimentos que me marcaram e que nunca vou esquecer. Ao ler a reportagem de hoje no Público, senti-me chocada, horrorizada até… recordei a notícia da altura, mas o relato dos factos feito na pessoa deste jovem, hoje com 18 anos, horrorizou-me. Dos 14 jovens envolvidos, 13 eram menores entregues a instituições que tinham por dever acolhê-los e dar-lhes um sentido à vida.

O jovem de que falo tinha sido retirado à mãe, bem como os seus três irmãos, porque ela não reunia condições capazes de ter consigo os filhos. Na reportagem não li nada sobre maus tratos, apenas falta de um lar digno (que afinal ela tanto deveria desejar), os miudos faltavam constantemente à escola… problemas sociais que o Estado deveria ajudar a resolver sem que fosse necessário retirar filhos a uma mãe. Os jovens foram então entregues a instituições, ou seja, entregues ao abandono… foi um desses filhos, um desses jovens, que, entregue a uma instituição, na companhia de outros em situação igual, agrediu, ao longo de vários dias até à morte, um ser humano. Esses jovens fizeram-no completamente desligados de qualquer tipo de sentimento, de qualquer tipo de remorso, de qualquer tipo de atitude que revelasse terem sentimentos capazes de os impedir de um acto tão cruel.

A descrição feita chocou-me, tanto como me choca saber que tantas crianças, tantos jovens são entregues ao abandono todos os dias por um Estado obrigado a protegê-los, pelo mesmo Estado que impede a adopção de crianças por casais homosexuais tão, ou mais, capazes de educar e acarinhar uma criança, dar-lhe um rumo que não seja o das ruas da miséria, numa cidade que se chamou Porto mas poderia ter um outro nome qualquer!…

Vou, mas volto… (até quarta-feira)

Porque tenho saudades e me apetece chorar…

Posted in Dedicatórias with tags , , , on Agosto 12, 2008 by soniapessoa

Quando há sete anos, por opção, porque vim viver para Braga, deixei o Jornal Público onde trabalhava há mais de uma década, eu soube na hora que a dôr de deixar um sítio que eu amava ficaria para o resto da vida. Porque era um sítio especial, aquela redacção, porque eram pessoas especiais, as que lá viveram comigo, porque um amor assim não se esquece nunca! A minha relação com o Jornal público foi de amor, foi de ódio, de alegrias e tristezas… foi de vivências, de crescimento, mas também de muito cansaço, pelo esforço emotivo que exigia de todos nós.

Desde o dia em que avisei os responsáveis, de que iria deixar o jornal, até ao último dia de trabalho, a memória que tenho é de manifestações de carinho e de lágrimas, muitas lágrimas. Como é da praxe, foi organizado um jantar de despedida, com direito a discurso, a uns copos a mais, e a mais lágrimas, que teimavam em escorrer pela cara abaixo, quase me impedindo de disfrutar de cada rosto que fez questão de estar presente… e foram muitos, alguns que eu nem esperava mas fizeram questão de me acarinhar.

Num jantar de despedida há sempre miminhos, lembro-me que me ofereceram um relógio e, para meu espanto, foi distribuido um jornal feito só para mim. Para além do jornal impresso, recebi a chapa original onde foi feito o jornal, que entretanto emoldurei para mais tarde recordar. No jornal, o editor de cada secção escreveu um texto sobre mim, em tom de brincadeira (até o Calvin me era dedicado!…) e aquele que foi o meu primeiro Director, Joaquim Fidalgo, escreveu um texto sobre a minha passagem pelo Público. Lembro-me que ao lê-lo chorei até mais não, ainda hoje me vêm as lágrimas aos olhos quando o recordo ou o leio por acaso.

Devem estar a perguntar-se o porquê desta ladainha toda, mas ainda hoje ao fim de sete anos me dói na alma as saudades que tenho daquilo, das gentes, dos amigos… tantas que, frequentemente, mais do que o aconselhável até, sonho com eles e acordo de manhã com um aperto no coração! Porque hoje estava novamente apertado, quis partilhá-lo convosco… por isso reproduzo aqui o texto que Joaquim Fidalgo me dedicou, a quem eu estou tão grata por tudo o que me ensinou e que guardo com carinho. Aos meus colegas deixo um beijo de saudade e de esperança que nos vejamos de novo um dia, para lembrar, contar histórias, que fazem afinal parte de todos nós.

Ele Há Sempre Tantas Coisas…

Ele há sempre tantas histórias, tantos caminhos, tantas pessoas…

Ele há sempre tantos tempos…

Há um tempo de chegar e há um tempo de partir.

Mas há, quando se esteve, um tempo de ficar. Um tempo de ser sempre daqui.

Há casas de trabalho que são mais feitas à medida das pessoas, e isso é bom.

Mas raro. Parece que cada vez mais raro.

Há casas de trabalho em que são as pessoas que têm de ir fazendo, dia a dia,

pouco a pouco ou muito a muito, essa medida – a medida das pessoas.

E há gente que sabe fazer isso.

Umas vezes melhor, outras vezes pior, que nunca tudo são só rosas nem só espinhos,

aqui mais depressa e ali mais devagar, ora para cima ora para baixo,

ora em alegria ora em tristeza, ora…

E daí? É também como as pessoas, que todos nós somos.

E que fomos sendo, e continuamos a ser, também contigo.

Ficas por cá. és da casa. entraste nela e ajudaste a fazê-la casa.

De trabalho? Sim, sem dúvida.

Mas casa com gente dentro. Uma casa de pessoas.

Pela parte de mim que me toca, pela parte de comum que me cabe também,

Obrigado.

E sê feliz.

Joaquim Fidalgo

Esclarecimento

Posted in Uncategorized with tags , on Julho 10, 2008 by soniapessoa

Sempre que digo que trabalhei, durante doze anos, no Jornal Público, surge a confusão… porque quando se fala em jornais, televisões, aquilo em que as pessoas pensam, automaticamente, é em jornalistas. Apesar de ter o Curso Superior de Comunicação Social, quando entrei para o Público, foi para Secretária de Redacção, e, deixem-me dizer-vos, gostei tanto que nunca fiz nada para tentar o lugar de jornalista. Por um lado, porque achava que não tinha a vontade necessária para me entregar a uma profissão dessas (e aqui honra lhes seja feita…) e depois porque descobri no trabalho que fazia uma grande realização pessoal.

Quando entrei para o Público, com uns tenros 22 aninhos, pensava eu, que uma secretária de redacção serviria para atender telefones e pouco mais. Com o tempo, descobri que, entre atender telefones, fazer agendas, marcar fotografias, estabelecer a ponte entre os jornalistas e editores, passar horas intermináveis em reuniões, atentas aos mais infímos pormenores (que são os que fazem a diferença…), marcar serviços, falar com os correspondentes, etc, o meu papel ía muito mais longe do que isso e era essencial numa redacção onde trabalhavam cerca de 50 pessoas, que é o mesmo que dizer, 50 seres humanos, com sucessos e fraquezas para gerir, quase 24 sobre 24 horas.

Quando dei por mim era quase como ter uns quantos filhos para cuidar, acarinhar, mimar e às vezes, quando era preciso, ralhar. Havia uma relação especial com os correspondentes, que por não estarem presentes fisicamente, era preciso dar-lhes confiança, ouvir-lhes as queixas, animá-los nas dificuldades, resolver-lhes problemas ou ouvi-los simplesmente. Houve muitos momentos em que, pelo carácter das situações, as emoções eram por vezes tão intensas e avassaladoras que não eram nada fáceis de gerir. E lá estavam as secretárias de redacção para atenuar a coisa, dar um mimo, um abraço, contar uma piada para aliviar a tensão. E claro está, também para fazer caldo verde, no meio da redacção, num fogareiro de campismo, em noites de eleições autárquicas…

Gostei muito do que fiz, e os momentos que passei, bons e maus, não os trocava por nada deste mundo…

Nota: Serve também este post para uma homenagem merecida às secretárias que por lá continuam e fazem um trabalho absolutamente fantástico.