3. Prefácio do 1º conto da Dra. Gabriela Moita: “Ser Diferente é Bom”
PREFÁCIO
Estamos perante um livro que responde a uma absoluta necessidade no vazio do panorama editorial português. Sendo um livro seguramente gerador de alguma polémica (porque o tema do casamento entre pessoas do mesmo sexo e da adopção de crianças por casais homossexuais ainda o é), é um livro que contribuirá para a promoção da paz, ao ter como tema transversal a inclusão e por ser num primeiro nível dirigido a crianças.
A socialização das nossas crianças não pode mais continuar a ser feita pela observação de um único padrão de funcionamento de vida e, no entanto, os filmes que lhes são dirigidos e grande parte da literatura infantil, bem como do mundo dos jogos e dos brinquedos, são muito uniformes no que diz respeito à estrutura dos núcleos familiares que oferecem.
Os tempos mudaram: os estilos de vida são cada vez mais diversificados, a imigração é cada vez maior, na escola misturam-se as várias classes sociais, os credos religiosos já não são impostos pelo Estado. As sociedades são, felizmente, cada vez mais democráticas. Esta estrutura não impede que se escolha o estilo de vida que se quer, pelo contrário, permite, exactamente, que cada família e cada pessoa faça a sua escolha sem que um só modelo seja imposto. Cada pessoa e cada família pode escolher o que quer para si, com todo o direito de considerar essa escolha a melhor, mas sem o direito de considerar que o melhor para si é também o melhor para outros ou para todos os outros. É nesse sentido, que educar as nossas crianças para a realidade de um mundo composto de diversidade, tal como ele é, e não continuar a escamotear na educação grande parte da realidade - ou porque não nos é atraente, ou porque se considera que ocultando se evita que aquela passe a ser uma escolha possível – se torna um imperativo na promoção do desenvolvimento social e da paz.
A aprendizagem da existência de diferenças faz-se pela observação dessas diferenças, transformando-as assim em variações humanas. O conceito de diferente, quando falamos de seres humanos, tem como referência uma norma padrão e, em áreas onde domina o preconceito, a diferença tem uma conotação negativa. É dando visibilidade à realidade existente que as diferenças se tornam simplesmente variações possíveis.
O presente livro de Sónia Pessoa é um livro sobre a coexistência de diferenças, de tal forma que a norma que nos surge é essa mesma: a existência de diferenças.
A vivência de uma relação amorosa e de partilha da parentalidade com uma pessoa do mesmo sexo é ainda um dos temas tabu das nossas sociedades. Vivemos num tempo em que o silêncio sobre o amor sentido por alguém do mesmo sexo se tem vindo a romper cada vez mais, graças à coragem de uma série de pessoas (custando-lhes muitas vezes a própria vida) que deixaram de pactuar com a hipocrisia de uma cultura, representada por uma série de pessoas que deseja impor uma norma, escamoteando e invisibilizando as vivências emocionais e comportamentais dos seres humanos.
É assim que a autora, ao centrar a acção em duas famílias, uma constituída por um casal formado por duas pessoas de sexo diferente entre si (heterossexual) e portanto mais hegemónica, e outra constituída por um casal formado por duas pessoas do mesmo sexo (homossexual) e portanto menos normativa, e ao oferecer-lhes um idêntico tratamento, sem sequer chamar a atenção para estas diferenças, contribui para o desfazer do preconceito que conduz à homofobia de uma forma absolutamente notável. Mostra-nos como as crianças, independentemente do sexo biológico dos seus pais, vivem realidades semelhantes e como pais e filhos, independentemente do sexo com que nasceram, experimentam emoções e preocupações tão iguais que estas diferenças, pelo facto de não serem sublinhadas pela autora apenas serão observadas pelas crianças e entendidas com o mundo e os instrumentos que cada uma tiver para as ler ou os pais quiserem oferecer.
Ressalve-se uma outra virtude: não são apenas os direitos sexuais que aqui são tratados mas os direitos humanos em geral e, premente na sociedade portuguesa, os direitos dos imigrantes, muitas vezes eles também vítimas de ostracismo, de olhares que os entendem como diferentes e desiguais, conferindo-lhes um estatuto de menorização social. “É um livro sobre a amizade e contra o racismo” disse-me a minha filha de 9 anos, quando lhe li o livro.
É efectivamente um livro sobre a amizade (obrigada Maria) pois é de amizade que se trata quando precisamos de saber conviver com as diferenças, mesmo (ou talvez sobretudo) se ainda não as conseguimos entender.
Sendo este livro destinado a crianças, ele é também para um público adulto: quer para pensar, quer como recurso para estar ao lado das crianças a falar sobre o mundo.
Muito obrigada Sónia e parabéns.
Gabriela Moita
Psicóloga
Julho 17, 2008 às 9:22 am
Hoje lembrei me de algo que tinha prometido fazer. Ler histórias aos meus sobrinhos antes deles irem dormir. Tenho que começar já hoje. Mas fico à espera dos teus contos e pelo que vi – quero-os todos! – 😀